segunda-feira, 14 de abril de 2008

HIV - VIVER O MEDO


Cada momento da vida tem a sua intensidade, a sua velocidade e o seu tempo. São os acontecimentos que ditam as contagens embora exista uma cronologia que tem que ser respeitada quando os acontecimentos seguem o seu curso normal.

Porém, e embora queiramos admitir que sempre superaremos a normalidade pela positiva, só em Portugal temos um milhão de deficientes para não falarmos dos que, diariamente, são confrontados com doenças sem retorno e perdas irreparáveis.

O ser humano está, a cada momento, perante um desafio enorme de sobrevivência do qual não se dá conta. Quer mais e sempre mais e o tempo não lhe chega para tanto que quer.

Só quando é confrontado como uma ameaça passa a dar valor a pequenas coisas, que antes lhe passavam despercebidas, e a viver o tempo com outra dimensão do tempo porque, pela primeira vez, se dá conta que não é dono de nada.


Basta repararmos em pais, com filhos deficientes, na forma como se orgulham de pequenos passos e ínfimas conquistas e os compararmos com aqueles que exigem sempre mais, de forma quase cruel e obsessiva, procurando louros e glórias numa terra demasiado amarga e contingente para alimentar orgulhos desmedidos.

Ser confrontado com uma doença grave põe à prova a interioridade de cada um. Há os que desejam que todo o mundo sofra como eles e, em surdina, alimentam o rancor e o ódio. E há os que se entregam à causa para evitar que outros passem por isso.

Esta diferença abismal faz toda a diferença e marca, determinantemente, uma linha de percurso. E se há quem se deixe abater pelo desânimo, há quem tenha operado autênticos milagres de sobrevivência aproveitando, sabiamente, o tempo que outros desperdiçam.
Exemplos extraordinários não nos faltam. Exemplos que desafiaram os limites impostos pelas ciências médicas e que superaram, e derrotaram, diferentes patologias. Porque a fé move montanhas e a ciência não pára.

Em quem devo confiar quando me dizem que sou portador(a) de HIV?

E se não for HIV em quem devo confiar quando me dizem que tenho qualquer outra doença implacável, quando fui despedido, quando me senti perdido e sozinho mesmo sem ter nenhuma dessas doenças?

Sim, porque há muita dor para além do HIV. Pessoas que ficam depauperadas, sem esperança e mutiladas e têm que viver ou morrer com isso. Por que há-de alguém portador do HIV ter que contar e mergulhar numa confissão que não deseja e para a qual se entrega como a um carrasco? Porque não partir simplesmente para onde há luz e pessoas que o entendam?

Todos os dias existem pessoas que se separam e novos ciclos de vida que se iniciam. Por que é que o portador do HIV há-de ser diferente? Quem se pode orgulhar que não lhe falte uma qualquer capacidade para alguma coisa?

Nós somos o que formos capazes de construir.
Em todas as circunstâncias.
Texto e foto: Lídia Soares

19 comentários:

Compadre Alentejano disse...

É raro aquele que, alguma vez, não teve de recomeçar de novo, quase que a partir do zero.
Uns, por doença, outros, por azares vários.
É preciso muita força de vontade e, sem dúvida, compreensão das pessoas que nos rodeiam, pois só assim, podemos levar a cruz ao calvário.
Um abraço

Eternamente disse...

Um texto excelente feito pela positiva e apelando à vida e à esperança.
Apesar de ter vontade em colaborar não me sinto à altura de fazer um texto tão bom quanto este nem sei falar conforme sinto duma doença que, felizmente, não apreciei de perto.
Vou fazer um post simples a remeter os visitantes para os espaços que têm magníficos textos como é o caso deste.
Abraço

Odele Souza disse...

Olá Lídia,
É sempre muito bom ler o que escreves. Tem imensa capacidade de te expressar através de teus textos. E juntar-se ao nosso amigo Raul para falar da SIDA/AID é um ato de amizade e solidariedade tua.

Um abraço.

M.MENDES disse...

Lídia/Raul
Um texto de grande conteúdo humano que deverá servir a todos de reflexão.
Concordo que um infectado pelo HIV não tenha que o dizer aos familiares próximos, caso não queira fazê-lo. O que deverá sim é não coabitar com pessoas que não saibam que está infectado não pelo risco mas porque a outra pessoa também deve ter liberdade de escolher se quer ou não viver com uma pessoa infectada.
Mas o infectado de HIV pode ir viver sozinho ou com alguém que lhe inspire confiança para contar e não se importe de fazê-lo.
Também vou aderir a esta causa mas só quando o Silêncio Culpado publicar os textos. Não tem que ser tudo ao mesmo tempo e até é aconselhável que não seja porque não é uma situação como a da Odele em que tem que haver blogagem colectiva.
Abraço

Robin Hood disse...

Raul
Este texto é uma maravilha tal como outros que tenho andado a ler. Não tenho arcaboiço para escrever nada de tão bom mas prometo que vou fazer o melhor que posso.
Abraço

Mary disse...

Lídia
Tu caprichaste e os teus textos são todos muito bons. Gostei muito do do Silêncio Culpado e do Moendo Café mas este também é bom e dá outra perspectiva.
Abraço

ARTUR MATEUS disse...

Nós somos o que somos capazes de construir mas também somos o que somos capazes de destruir.
Destruir os medos e os preconceitos e encarar a vida de frente é o desafio que se impõe aos infectados do HIV.
Rejeito a posição de "caiu-me o mundo em cima". Isso pode acontecer num certo momento depois tem que se recarregar baterias para se ir em frente. Como muito bem recordas nos teus textos há muito sofrimento repartido por outras doenças, perdas e acidentes.
Há que sermos fortes e há que ajudar todos aqueles que de nós precisam.
Abraço

Michael disse...

Há que encarar a verdade e nunca perder a esperança. Se há pessoas que perdemos em certas circunstâncias, também há outras que ganhamos.
Abraço

Meg disse...

Aos amigos comunico que, inesperadamente,
fui obrigada a mudar de residência.

Peço desculpa pela forma como o faço
mas trata-se de uma emergência que espero seja a última.

Aproveito para mandar um abraço do
vosso Amigo Romério para todos

E a Meg espera-vos aqui a partir de agora

http://recalcitrantemor.blogspot.com/

17/4/08 04:38

G.BRITO disse...

Raul

É um grande texto forte e solidário.
Não aderi formalmente ao teu pedido porque tenho uma vida tramada e mal tenho tempo para fazer um ou outro comentário.
Mas de coração estou sempre contigo, o Paulo, a Sidadania, o Sol Poente e com a minha amiga Lídia do Silêncio Culpado e todos os que procuram a solidariedade e a justiça.

Abraço

C.Coelho disse...

Acabo de aderir com um texto solidário. Não consegui escrever nada de tão bom como tu sempre fazes mas pus toda a minha boa vontade no que escrevi.

Abraço

amigona avó e a neta princesa disse...

Mais um texto excelente...depois de o ler só posso ficar grata por o partilhares connosco...muito obrigada Lídia...

Anónimo disse...

Lídia,

viver significa morrer num dia qualquer.Por isso devemos existir, devemos persistir e viver a vida com dignidade.É um direito, mas sobretudo um dever.
Caminhemos juntos de mãos dadas.

Saudações e um sorriso

carlos filipe disse...

Silêncio, minha Silêncio
que bem que sabes escrever
que bem que sabes amar
quem está na Terra a sofrer.

Silêncio, minha Silêncio
vou seguir-te até morrer
não só na causa da sida
como em tudo o que souber.

Os portadores desta doença
têm sido mal-amados
por serem incompreendidos
por outros mal informados.

Um homem não tem direito
a julgar um seu irmão,
deve ter-lhe amor do peito
e, neste jeito, o perdão.

Há pessoas valiosas
bafejadas pelo mal
enquanto outras ditosas
são puro traste real.

O valor duma pessoa
não se pede a tão má sorte
o valor duma pessoa
ultrapassa a lei da morte.

Quero com isto dizer não
a todo aquele que despreza
e quero com esta negação
construir outra certeza.

Todo o homem é meu irmão
e não é a sida que impede
que seja da minha condição
e morra de amor à sede.

Å®t Øf £övë disse...

O problema é que o ser humano é demasiado egoísta e egocentrista, por isso quando se depara com um problema com alguém próximo, procura afastar-se para não ter que o viver de perto, porque não nos podemos esquecer do ditado: "Longe da vista, longe do coração".
A vida é demasiado cruel para muita gente.
Bjs.

Anónimo disse...

Uma reflexão...

Muitos dos que padecem das chamadas doenças segregadoras devem perguntar como olhavam os portadores de HIV ,antes de o terem contraído.
Na realidade somos muito solidários e revoltados quando nos bate à porta aquilo para o qual nunca ligámos.O ostracismo começa em nós.O que fazemos para aceitar os outros como eles são?Não podemos dizer mais que A SOCIEDADE É SEGREGADORA, sem reflectirmos que a sociedade somos todos nós.O que fazemos por mudar esta situação?

Saudações e um sorriso

Espaços abertos.. disse...

Um texto com palavras maravilhoas ,cada uma construída com o máximo dos máximos de sensibilidade e acima de tudo e muito fundamental dos dias que decorrrem a solideriedade pelo próximo.
Adorei ter conhecido o seu "cantinho"
Bjs Zita

Zé Povinho disse...

Enfim consegui juntar as palavras e publicar a minha experiência e dar o meu contributo para a causa. Não terá sido uma experiência muito vivida, mas apenas sentida, mas foi a única porque passei realmente, e não mais a esquecerei.
Abraço do Zé

Bichodeconta disse...

É tão bom estar de volta ao vosso convivio, poder ler esta sensibilidade que sempre me deixa de alma reconfirtada.. É bom saber que há seres humanos que se dão, assim!!!!!!! Deixo um abraço, deixo também o desejo de uma boa semana, e deixo ainda a promessa de voltar.. Infelizmente há pessoas para quem a solidariedade é uma palavra vã.. Parabéns amiga, do fundo do coração... Pela generosidade que põe em cada acto da sua vida.. Um beijinho, ell