(Imagem de Isabel Filipe Art&Design para o Sidadania)
Durante alguns anos fui dador de sangue. O posto onde rotineiramente me apresentava para entrega da minha dádiva era o Serviço de Sangue do Hospital Curry Cabral em Lisboa. Aí era sempre recebido com uma afabilidade própria de quem já se tornara parte de uma grande família, cujo primeiro e único móbil era a prestação de auxílio a quem dum bem tão fundamental necessitava.Nesse serviço a minha homossexualidade era conhecida dos vários clínicos que me atendiam na consulta de prévia de rastreio. Nunca tal circunstância era obstáculo à minha entrega periódica do meio litro de meu Rh O negativo; que segundo fiquei a saber era raríssimo e muito necessário. Era com alegria que trimestralmente me apresentava no referido serviço para a respectiva recolha do meu fluido vital, de que tantos careciam.Mas não há bela sem senão. Certo dia foi para esse Serviço de Sangue uma médica jovem (diria menos de 30 anos, pelo que a chamavam de Drª Mariazinha) recém formada, que me calhou na consulta de rastreio. Ao saber da minha homossexualidade ela liminarmente recusou a minha dádiva, afirmando: “Vocês homossexuais, apenas vêm dar sangue para terem análises grátis de despiste do VIH! Recuso-me a aceitar sangue dum homossexual.”Minha estupefacção perante tão vil insulto e tamanha insensibilidade, deixou-me completamente mudo e incrédulo. Saí do consultório e ao ser interrogado na recepção porque me estava indo sem dar sangue apenas pude responder à auxiliar administrativa de serviço que a minha dádiva fora rejeitada por ser homossexual. Depressa abandonei as instalações pois a revolta pelo ultraje apenas me dava vontade de chorar.Já cá fora, ao atravessar o jardim rumo ao portão de saída do hospital, ouvi gritar o meu nome. Era a directora do Serviço de Sangue quem me chamava, correndo em minha direcção. Pediu-me perdão pelo sucedido e para voltar com ela ao Serviço de sangue. Aí ela mesma me atendeu e autorizou a minha doação, tendo ainda me rogado insistentemente que não deixasse de dar sangue e que sempre que me apresentasse na recepção informasse a assistente de serviço que não queria ser atendido pela Drª Mariazinha, pois outro médico me atenderia sem problemas.E por vezes pensamos nós que os jovens têm uma mentalidade mais aberta e sem preconceitos. Pura ilusão.Este caso singular naquela instituição foi uma nódoa que poderia ter manchado a reputação modelar da mesma. Chamo de modelar as normas pela qual se regia (só me refiro ao tempo em que lá recorria para doar sangue, mas espero e acredito, que ainda assim continue) o Serviço de Sangue do Hospital Curry Cabral, uma vez que noutras unidades de saúde hospitalares sempre presenciei uma homofobia doentia e encarniçada para com os pretendentes dadores homossexuais. E passo a citar alguns onde tive de omitir a minha homossexualidade para poder prestar o meu auxílio ao próximo, pois logo à entrada me era distribuído um folheto onde grosseiramente se lia que a dádiva estava interdita a homossexuais: Hospital Nossa Senhora do Rosário (Barreiro), Hospital Garcia de Horta (Almada), Hospital de São Francisco Xavier (Lisboa). Estes os casos que testemunhei pessoalmente, mas acredito que muitos mais haverá ainda por esse país fora. Aí eu tive de mentir por omissão, para que fosse a minha dádiva aceite.Lamentável!
ManDrag
A descriminação no que diz respeito a quem de um modo altruista dá sangue para salvar vidas continua a existir.Ter uma preferência sexual diferente, ou um parente infectado pelo HIV parecem ser motivos impeditivos, para que um cidadão possa exercer esse nobre acto.É importante denunciarmos atroplelos por parte do pessoal de saúde que trabalha na recolha de sangue, para que este estado de coisas acabe de uma vez por todas.Claro que é importante termos um sangue de qualidade sem agentes patogénicos passiveis de provocarem danos às pessoas que recebem esse bem essencial à continuidade de suas vidas, mas para isso basta um controle e testes a cada unidade de sangue doada.Este testemunho do Mandrag é importante e todos os outros testemunhos que os nossos leitores nos possam trazer para que os possamos publicar.Em Janeiro publicámos um texto sobre estes atropelos, que o convidamos a ler clicando em : Sangue Dádiva de Amor
Durante alguns anos fui dador de sangue. O posto onde rotineiramente me apresentava para entrega da minha dádiva era o Serviço de Sangue do Hospital Curry Cabral em Lisboa. Aí era sempre recebido com uma afabilidade própria de quem já se tornara parte de uma grande família, cujo primeiro e único móbil era a prestação de auxílio a quem dum bem tão fundamental necessitava.Nesse serviço a minha homossexualidade era conhecida dos vários clínicos que me atendiam na consulta de prévia de rastreio. Nunca tal circunstância era obstáculo à minha entrega periódica do meio litro de meu Rh O negativo; que segundo fiquei a saber era raríssimo e muito necessário. Era com alegria que trimestralmente me apresentava no referido serviço para a respectiva recolha do meu fluido vital, de que tantos careciam.Mas não há bela sem senão. Certo dia foi para esse Serviço de Sangue uma médica jovem (diria menos de 30 anos, pelo que a chamavam de Drª Mariazinha) recém formada, que me calhou na consulta de rastreio. Ao saber da minha homossexualidade ela liminarmente recusou a minha dádiva, afirmando: “Vocês homossexuais, apenas vêm dar sangue para terem análises grátis de despiste do VIH! Recuso-me a aceitar sangue dum homossexual.”Minha estupefacção perante tão vil insulto e tamanha insensibilidade, deixou-me completamente mudo e incrédulo. Saí do consultório e ao ser interrogado na recepção porque me estava indo sem dar sangue apenas pude responder à auxiliar administrativa de serviço que a minha dádiva fora rejeitada por ser homossexual. Depressa abandonei as instalações pois a revolta pelo ultraje apenas me dava vontade de chorar.Já cá fora, ao atravessar o jardim rumo ao portão de saída do hospital, ouvi gritar o meu nome. Era a directora do Serviço de Sangue quem me chamava, correndo em minha direcção. Pediu-me perdão pelo sucedido e para voltar com ela ao Serviço de sangue. Aí ela mesma me atendeu e autorizou a minha doação, tendo ainda me rogado insistentemente que não deixasse de dar sangue e que sempre que me apresentasse na recepção informasse a assistente de serviço que não queria ser atendido pela Drª Mariazinha, pois outro médico me atenderia sem problemas.E por vezes pensamos nós que os jovens têm uma mentalidade mais aberta e sem preconceitos. Pura ilusão.Este caso singular naquela instituição foi uma nódoa que poderia ter manchado a reputação modelar da mesma. Chamo de modelar as normas pela qual se regia (só me refiro ao tempo em que lá recorria para doar sangue, mas espero e acredito, que ainda assim continue) o Serviço de Sangue do Hospital Curry Cabral, uma vez que noutras unidades de saúde hospitalares sempre presenciei uma homofobia doentia e encarniçada para com os pretendentes dadores homossexuais. E passo a citar alguns onde tive de omitir a minha homossexualidade para poder prestar o meu auxílio ao próximo, pois logo à entrada me era distribuído um folheto onde grosseiramente se lia que a dádiva estava interdita a homossexuais: Hospital Nossa Senhora do Rosário (Barreiro), Hospital Garcia de Horta (Almada), Hospital de São Francisco Xavier (Lisboa). Estes os casos que testemunhei pessoalmente, mas acredito que muitos mais haverá ainda por esse país fora. Aí eu tive de mentir por omissão, para que fosse a minha dádiva aceite.Lamentável!
ManDrag
A descriminação no que diz respeito a quem de um modo altruista dá sangue para salvar vidas continua a existir.Ter uma preferência sexual diferente, ou um parente infectado pelo HIV parecem ser motivos impeditivos, para que um cidadão possa exercer esse nobre acto.É importante denunciarmos atroplelos por parte do pessoal de saúde que trabalha na recolha de sangue, para que este estado de coisas acabe de uma vez por todas.Claro que é importante termos um sangue de qualidade sem agentes patogénicos passiveis de provocarem danos às pessoas que recebem esse bem essencial à continuidade de suas vidas, mas para isso basta um controle e testes a cada unidade de sangue doada.Este testemunho do Mandrag é importante e todos os outros testemunhos que os nossos leitores nos possam trazer para que os possamos publicar.Em Janeiro publicámos um texto sobre estes atropelos, que o convidamos a ler clicando em : Sangue Dádiva de Amor
É importante acarinharmos aqueles que num gesto de amor se dispõem a dar sangue. É importante termos nos serviços de sangue profissionais dedicados que dêm importância à necessidade que temos deste fluido que pode fazer a diferença entre a vida e a morte.Aqueles que nesses serviços pensam que estão a fazer um favor aos dadores por lhes retirarem o sangue, e dando-lhes previlégios de análises gratuitas, certamente não serão as pessoas indicadas para lá estarem.Só denunciando casos como este e dando-os a conhecer, poderemos mudar o actual estado de coisas. Não nos podemos calar pois issso será pactuar com injustiças que não têm razão de ser.
4 comentários:
Gostava de publicar este texto em todos os sítios onde possa ser publicado para que todos vissem a enormidade do que aqui é descrito.
Não há palavras para atitudes tão retrógradas mas acedito que, felizmente, elas não serão a maioria.
Abraço, ManDrag. Sempre.
Querida Lidia,
Realmente este é um texto que deve ser mostrado a mais e mais pessoas. Eu o estou levando para meu blog Oficina de Palavras.
Um abraço.
Peloamordedeus!
Isso, além de PRECONCEITO, é de uma burrice imensa.
Pensava que até uma porta soubesse que, em pleno século 21, a AIDS não escolhe rostos, opções sexuais, idade, religião.
Esta Dr. deveria estar presa, deveria mofar na cadeia.
Absurdo!
Absurdo!!!
Mas, de qualquer maneira, parabéns pelo seu nobre gesto de doar o SEU sangue (coisa que a tal Mariazinha provavelmente não faz).
E parabéns também peo texto corajoso.
Precisamos colocar a boca no trombone sempre que isso acontecer, porque sabemos bem: quem cala, acaba consentindo.
Grande abraço
:)
Pena que estás situações ainda aconteçam nos nossos dias!
Bravo pela coragem de dar a cara e denunciar barbaridades destas.
A doutorazinha tem muito que aprender, oxalá tenha tempo e humildade para o fazer.
Ana
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